


















Concertos de 2020 que não queremos esquecer. Capitão Fausto no Campo Pequeno, o último grande concerto em Portugal antes do confinamento
31.12.2020 às 9h30
A 7 de março de 2020, os Capitão Fausto subiram ao palco do Campo Pequeno para, com os 48 músicos da Orquestra Filarmonia das Beiras, 'comandada' pelo maestro Martim Sousa Tavares, se mostrarem épicos e românticos. Foi um dos últimos concertos antes de o país parar devido à pandemia, e aqui o recordamos, neste balanço de um ano atípico, também no que toca a concertos
Perto do fim, no centro do palco, Tomás Wallenstein recebe um papiro e desfila uma longa lista de agradecimentos. Ninguém fica de fora. Este não foi um concerto qualquer: quase dez anos depois de "Gazela", o álbum de estreia dos cinco rapazes de Lisboa, os Capitão Fausto são provavelmente a banda pop/rock mais requintada da 'primeira liga' nacional.
Não foi perfeito, mas foi sentido. Um concerto elétrico com orquestra tem as suas manhas, e a principal - numa sala onde poucas vezes o som é equilibrado para toda a gente ao mesmo tempo - é dominar o balanço entre o que é 'som de banda' e 'som de orquestra'. Por vezes, a orquestra ouviu-se melhor quando a banda se calou; noutras, a banda soou mais nítida e vital quando a orquestra não interveio. Nos melhores momentos, o tal equilíbrio foi a razão do sucesso: 'Alvalade Espera Por Mim', no encore, foi um desses episódios felizes, uma canção panorâmica à espera desta oportunidade, agarrada com todos os dentes (inclusive os da Orquestra Filarmonia das Beiras, 48 elementos, entre metais, percussões, cordas...); 'Final', também com Tomás Wallenstein ao piano e proeminência maior da orquestra, foi outro. Foi assim que acabou - e acabou muito bem.
Recuando duas horas, aterramos num início solene em forma de introdução cinemática a cargo dos 48 músicos de orquestra, municiados pelo maestro Martim Sousa Tavares. Num plano mais abaixo, os cinco Capitão Fausto tocam bem perto uns dos outros, impecavelmente vestidos com fatiotas 'seventies', auxiliados por um trio de vozes femininas quando o repertório o pede. Começam com uma das canções mais arejadas de "A Invenção do Dia Claro", o quarto álbum do grupo. Prosseguem, bebendo da mesma colheita, com 'Faço as Vontades', e aqui se percebe que os arranjos cuidados do disco que parcialmente confeccionaram no Brasil são igualmente a base de trabalho da orquestra, que não os torna mais adiposos. 'Corazón' é a primeira visita a "Capitão Fausto Têm os Dias Contados", de 2016, o álbum onde o lado mais 'clássico', o da canção pop aperaltada, começou a ser explorado, e novamente o respeito pelos arranjos originais é notado no trabalho orquestral.
O ping-pong entre os dois últimos álbuns, naturalmente mais propensos ao tratamento 'filarmónico', oferece-nos 'Sempre Bem', 'Semana em Semana' e 'Os Dias Contados', mas também o repertório mais magmático de "Pesar o Sol" se sujeita aos novos preparos, como evidenciam versões mais corpulentas de 'Maneiras Más' (que se remata numa 'jam' 60s assente nos teclados) ou, mais adiante, 'Célebre Batalha de Formariz'.
As canções mais despidas ganharam - 'Amor, a Nossa Vida' mostrou todo o seu gabarito de balada pungente -, mas quando a banda dispensou a orquestra e puxou pelo rock pareceu soltar-se (e o público também), como se viu em 'Teresa' ou 'Verdade', já depois de servidas (com orquestra) 'Outro Lado', 'Lameira', 'Amanhã Tou Melhor', 'Morro na Praia', 'Santa Ana' (a que se seguiu um longo solo de bateria de Salvador Seabra) e 'Boa Memória'.
Os arranjos de Martim Sousa Tavares penderam mais para o romantismo do que para o gongórico (o que se agradece) e, não se limitando ao acompanhamento passivo, não se impuseram sofregamente sobre a base da banda. No centro de tudo, houve uma banda não se esqueceu de dar o seu concerto. Ainda bem.