Ana Baião
Poderá a Festa do Avante cumprir a lei e as regras da DGS? Quem organiza festivais tem dúvidas, mas prognósticos só no fim
28.08.2020 às 15h52
Num verão sem festivais, a Festa do Avante promete receber no próximo fim de semana quase 50 concertos. É possível produzir um evento assim sem pôr em causa a lei e as diretrizes da Direção Geral de Saúde num contexto de pandemia? Ouvimos vários promotores profissionais de festivais portugueses
A uma semana da Festa do Avante, marcada para os dias 4, 5 e 6 de setembro na Quinta da Atalaia (Seixal), a BLITZ ouviu vários promotores de festivais e concertos sobre a realização do evento do Partido Comunista Português que - num verão em que os grandes festivais de música foram adiados devido à pandemia de covid-19 - prevê receber quase 50 concertos de artistas como Xutos & Pontapés, Capicua e Lena d'Água, entre outros.
Organizador do festival NOS Alive, Álvaro Covões acredita que dizer que os festivais não foram proibidos é "demagogia". O responsável máximo da Everything Is New, uma das maiores promotoras de concertos da Península Ibérica, é claro: "Com as regras da Direção-Geral da Saúde, fazer um festival como nós os conhecemos não é possível". Em causa, está o distanciamento entre espectadores e o limite da lotação dos espaços.
Recorde-se que, esta semana, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, declarou que Festa do Avante é um "evento complexo" por juntar "vários setores diferentes" com regras distintas quanto à prevenção da covid-19, para além de espaços de circulação. "Ao setor dos restaurantes aplicam-se as regras da restauração. No setor dos espetáculos aplicam-se as regras de outros espetáculos". "O grande objetivo é que, em cada setor se apliquem as regras próprias e que nas entradas, saídas e zonas de circulação se evitem as concentrações de pessoas. Para a circulação das pessoas, contamos com a organização do evento", existindo um "primeiro documento com muitas orientações, que vai sendo refinado".
Poderá o Avante realizar concertos para plateia em pé, como será propósito manifesto pelo PCP no diálogo com a DGS? "Se fizéssemos o NOS Alive, tínhamos de ter lugares marcados. É o que está na lei", salienta Covões. "Os festivais, tal qual os conhecemos [com a assistência em pé], estão proibidos. Assim como um espetáculo com plateia em pé na Altice Arena, no Coliseu ou no Campo Pequeno". “Eu ainda acredito que o PCP é um partido responsável", comenta.
“Pode ser benéfico para o setor cultural que o Avante se faça e corra bem. Não julgo preventivamente”, Vasco Sacramento (Festival F)
"Há regras que estão definidas", lembra Vasco Sacramento, promotor do algarvio Festival F, mas também programador de uma sala de espetáculos, o Capitólio, e agente de vários artistas, de António Zambujo a Ana Moura e Pedro Abrunhosa. Contudo, o homem forte da Sons em Trânsito admite ter "uma postura um pouco diferente" da dos seus colegas de setor.
"Se alguém quer fazer uma iniciativa cumprindo essas regras e eventualmente negociando com a DGS alguma questão mais específica que se enquadre dentro da sua iniciativa, acho muito bem. Por princípio sou a favor, até porque acho que pode ser benéfico para o setor cultural que o Avante se faça e corra bem; pode ser um catalisador para que outras iniciativas decorram, e para que nós, os promotores privados, nos possamos até inspirar e tirar ideias. Além de que vai dar trabalho a centenas de profissionais, o que neste momento é absolutamente precioso", defende.
Remando em sentido contrário a Covões, Sacramento considera que "se criou uma ideia generalizada e errada de que os festivais estão proibidos, o que não é verdade". O Avante, acredita, "pode realizar-se, desde que cumpra as regras que a DGS define. Se houver uma situação de manifesto privilégio ou benefício do PCP face às regras que estão instituídas, aí serei contra. Se o festival for feito colocando em perigo a saúde pública, também serei contra. Mas não julgo preventivamente".

Montagem da Festa do Avante! 2020
Ana Baiao
Paulo Ventura, um dos organizadores do EDP Vilar de Mouros, tem opinião semelhante: "se as normas funcionarem com o Avante, temos de aprender com isso [e perceber]: 'Afinal dá para fazer, nestes moldes'". "Mas não somos só nós que temos que aprender com isso", alerta. "O governo tem de aprender com isso, as pessoas que legislam têm de aprender com isso. Toda a gente tem de aprender com isso". Por outro lado, sublinha Ventura, "se correr muito mal, quem se vai queimar é a Festa do Avante, porque vai ficar associada a um foco [de infeção]".
Por seu turno, Luís Pardelha, falando em nome da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, afirmou à BLITZ que este organismo prefere não comentar a realização da Festa do Avante, "até porque não sabemos as condições em que o evento se vai realizar nem temos informação detalhada sobre as medidas que serão implementadas no evento e que, segundo o que tem sido veiculado pela imprensa, estão a ser negociadas entre a DGS e o PCP/a organização da Festa do Avante". Pardelha informa ainda que a direção da APEFE solicitou à diretora da DGS, Graça Freitas, uma reunião "para debater e avaliar as medidas a implementar nos recintos de espetáculos após o dia 30 de setembro, data em que termina a legislação em vigor", considerando que este encontro será "de extrema importância para o futuro e para a sobrevivência de todo o setor cultural".
“Como é que há Festa do Avante e não há romarias de norte a sul do país? Isso é que destruiu a economia do setor cultural, não foram os festivais”, Álvaro Covões (NOS Alive)
Realizar festivais ou eventos congéneres cumprindo as regras da DGS seria, contudo, incomportável do ponto de vista financeiro para os promotores profissionais neste momento. "Os bilhetes [para os festivais de verão] já estavam à venda e as regras [implicariam] muito menos lotação, [teríamos] muito mais custos. Tínhamos de devolver os bilhetes, de marcar os lugares... Era impraticável", defende Álvaro Covões.
"O setor sobreviveria sem os festivais de verão, mas não vai sobreviver sem as festas e romarias que foram canceladas em todo o país", contrapõe. "Como é que há Festa do Avante e não há romarias de norte a sul do país? Isso é que destruiu a economia do setor cultural, não foram os festivais", considera o diretor da Everything Is New.
A questão da viabilidade financeira foi abordada, também, por Paulo Ventura, um dos organizadores do festival EDP Vilar de Mouros: "Se tens um festival que tem de vender 20 mil bilhetes para fazer o break-even [ponto em que começa o lucro] e só podes vender 10 mil ou 7 mil, tens um problema". "Fazer o festival pouco depende de querermos ou não fazê-lo. Depende de termos público e de termos artistas. Teria de ter um recinto seis ou sete vezes maior. Por muito que exista um decreto-lei que me permita fazer eventos [cumprindo] todos os cuidados com a saúde pública e distanciamento, não posso fazer o festival", explica o promotor.
"É muito difícil", reconhece Sacramento. "Para um promotor privado, que visa o lucro e não tem acesso aos mecanismos de voluntariado e até de privilégio fiscal que um partido tem, obviamente que se torna ainda mais difícil justificar a realização de um evento", sublinha. "A rentabilidade fica comprometida se se cumprirem as regras que estão em vigor. Se há alguém que entende - neste caso, o PCP - que consegue organizar um evento cumprindo as regras, acho muito bem. Da mesma maneira que nós, de forma diferente mas com a mesma motivação, também transformámos o Festival F nas Noites F [a decorrer em Faro, com um espetáculo por noite], e fizemos um evento cumprindo as regras que estão em vigor. Achámos que era importante assinalar o ano e não deixar desamparados os profissionais que habitualmente connosco colaboram".
Contactados pela BLITZ, Luís Montez, da Música no Coração (MEO Sudoeste, Super Bock Super Rock), José Barreiro, da Picnic (NOS Primavera Sound), João Carvalho, da Ritmos (Vodafone Paredes de Coura), Jorge Lopes, da PEV (MEO Marés Vivas) e Roberta Medina, do Rock in Rio-Lisboa, declinaram ou não se mostraram disponíveis para comentar a realização da Festa do Avante.
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