




















Os Xutos & Pontapés como não os víamos há décadas. Houve faisão, “memofante” e muitas gargalhadas no Tivoli
10.07.2020 às 12h36
Descontraídos, bem alinhados e cheios de energia, os Xutos & Pontapés reuniram cerca de quatro centenas de amigos para celebrar o regresso aos palcos em era covid-19. E até os "pregos" de Tim foram desculpados com boa disposição
A sensação, ao entrarmos no Tivoli para assistir a um concerto dos Xutos & Pontapés, deixou-nos algo confusos. Depois de décadas a vê-los dominar multidões em palcos de grandes dimensões, tentar "encaixá-los" num espaço tão acolhedor não era apenas mais uma experiência estranha destes tempos de covid-19, era certamente algo que os fãs de longa data aguardavam desde, quem sabe, os saudosos tempos do Johnny Guitar. A expectativa era muita e isso notou-se ainda no exterior da sala da Avenida da Liberdade, com um grupo de seguidores, vestidos a rigor com t-shirts, cachecóis e até máscaras com o símbolo da banda, a cantar alguns dos grandes hinos daquela que é considerada, unanimemente, a maior banda rock que Portugal já viu nascer.
Depois da entrada ordeira, com muito álcool-gel à mistura, o compasso de espera foi preenchido com uma playlist que faria Zé Pedro esboçar um rasgado sorriso - entre outras, ouvimos canções dos Foo Fighters e dos Queens of the Stone Age. Lugar sim, lugar não, sentia-se entre o público uma proximidade que não se deixou perturbar pelo distanciamento social... Porque os Xutos, em abono da verdade, não têm fãs: têm uma gigantesca família. E foi esse sentimento, de um longo abraço de compensação pelo pesadelo em que entrámos há quatro meses, que atravessou um concerto vibrante, recheado de gargalhadas e de canções inesquecíveis.
Na abertura, ainda antes de o quarteto entrar, escutámos 'Imprevistos', canção que encerra "Duro", álbum editado no ano passado, com uma ajudinha de Capicua e Jorge Palma... E nunca versos como "o imprevisto é isto" ou "tudo depende do sol / nem tudo depende de ti" soaram tão acertadas. A energia e boa disposição de Tim, Kalú, João Cabeleira e Gui saltaram à vista mal colocaram um pé em palco. E quando irromperam por uma acelerada 'Duro', com magistral solo de Cabeleira, já a plateia extravasava a necessidade que tinha de música ao vivo, acumulada nos últimos meses. É certo que celebrar, cantar e dançar sentado não é a mesma coisa, mas ninguém parece ter ficado muito incomodado.
A sequência inicial do concerto foi composta por canções do novo álbum - a crueza de 'Alepo', ilustrada com imagens de uma cidade devastada; a intensidade rítmica de 'Fim do Mundo'; e a balada 'Às Vezes', marcada pela sedução do saxofone de Gui -, mas a viagem ao passado não se fez esperar muito, com uma aguerrida 'Enquanto a Noite Cai' e uma versão bem gingada de 'N'América' a realçarem o som fantástico do Tivoli e a voz em topo de forma de Tim. "Olá Lisboa, olá amigos" exclamou o vocalista, recebendo de volta muitos braços em X, o histórico sinal de reverência dos fãs, "como é pessoal? Está tudo bem? Quero ver o sorriso por trás das máscaras!".
"Esta costumo dedicar aos fãs, porque só aqueles mais malucos sabem a letra... Chama-se 'o faisão'", exclama Tim, soltando uma ruidosa gargalhada antes de entregar a balada 'O Falcão'. A diversão, que derramou para a plateia em amistosas provocações, foi uma constante ao longo da atuação, como se mais do que num concerto os Xutos nos recebessem a todos na sala de ensaios. 'Salve-se Quem Puder', as rajadas de guitarra de 'Avé Maria' e uma velhinha 'Negras como a Noite' (que parece hoje mais atual do que nunca: "vai ficar tudo bem, isso eu sei") foram mantendo um bom ritmo e 'Mar de Outono', novo regresso ao presente de 'Duro', revelou-se um dos picos da atuação, provando que, todas estas décadas depois, os Xutos ainda têm clássicos para nos dar. "Grande prego!", exclamou um fã depois de Tim se embrulhar momentaneamente em 'O Que Foi Não Volta a Ser' ("bem dizia o Gui que não devíamos tocar esta").
'O Homem do Leme', sempre emocionante, deu início à sequência final do corpo principal do concerto. "Agora que já entrámos na fase das canções que toda a gente conhece, queria agradecer a vossa presença, apoio e coragem", exclamou Tim antes de passar "a palavra" à bateria de Kalú com mais uma provocação: "o Kalú tem um projeto novo, que vai apresentar aqui no Tivoli". Antes de se atirar a um solo "com covid e sem covid", o baterista brincou "está a montar-me armadilha. Isto é uma armadilha". 'Circo de Feras' e 'Não Sou o Único' ("vamos terminar com a canção que o Zé Pedro nos ensinou") foram os hinos celebrados antes de o grupo abandonar o palco - houve até quem tentasse levantar-se, mas rapidamente foi demovido pelo pessoal de sala.
Não era um "xau malta" que ia demover os fãs, que não arrastariam pé sem um encore, claro. Agora, sim, seriam recebidos de pé. Antes de seguirem com as canções, Tim deixou um pedido em tempos de pandemia: "espero que não se comam uns aos outros, que não deixe de haver respeito, amor e compaixão uns pelos outros". 'À Minha Maneira' entrou tão jovial quanto há 40 anos; 'Contentores' trouxe a maior gargalhada da noite, com Tim a pedir desculpa a Cabeleira pela "porcaria que fez" (e a ser aconselhado por um fã a tomar memofante, suplemento alimentar para melhorar a memória); e 'A Minha Casinha', claro, encerrou a atuação com chave de ouro. "O Zé Pedro continua connosco", atirou Tim no final das despedidas. E foi bonito.
Duro
Alepo
Fim do Mundo
Às Vezes
Enquanto a Noite Cai
N'América
O Falcão
Salve-se Quem Puder
Avé Maria
Negras Como a Noite
Mar de Outono
O que Foi Não Volta a Ser
O Homem do Leme
Circo de Feras
Não Sou o Único
À Minha Maneira
Contentores
A Minha Casinha
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