
Vasco Sacramento, Sons em Trânsito, Capitólio
Rita Carmo
O problema maior dos espetáculos em Portugal será a lotação. “Os concertos têm de ser minimamente rentáveis”
15.05.2020 às 17h39
Agente de artistas como António Zambujo ou Ana Moura, programador do Capitólio e promotor do Festival F, Vasco Sacramento identifica os maiores desafios que as novas condições de realização de espetáculos nos próximos meses irão colocar. Algumas regras do regresso à música ao vivo são “draconianas”, mas a emissão de vales é “inevitável”
Na sequência da aprovação da proposta de lei do governo que define as condições de realização de espetáculos até 30 de setembro, Vasco Sacramento, diretor-geral da Sons em Trânsito, partilhou com a BLITZ as suas maiores preocupações, que resultam não só da proibição de festivais como das orientações sobre a diminuição da lotação das salas de espetáculos e medidas de segurança a implementar.
"O problema maior são as lotações. Tudo o resto se resolve", defende o agente de artistas como Ana Moura ou Pedro Abrunhosa, responsável pela programação do Capitólio, em Lisboa, e promotor do Festival F, em Faro. "Para os promotores privados e as salas privadas, os espetáculos têm de ser minimamente rentáveis. Claro que nós já sabíamos que ia haver uma redução da lotação e regras mais apertadas de higiene e de segurança, mas tem que haver algum bom senso, senão mais vale estar fechado". Aponta, de seguida, o dedo a salas de espetáculo públicas: "acho que os teatros públicos ou alguns teatros públicos deram um péssimo exemplo ao anunciar que estarão fechados até setembro, porque o tempo é de guerrilha. Nós precisamos de cerrar fileiras e é preciso que os teatros públicos, que não estão tão dependentes da receita de bilheteira, deem o exemplo".
Sacramento diz que é necessário reabrir as salas, nem que seja para apresentar uma "programação alternativa" àquela que estava agendada: "é preciso reabrir as salas, fazer espetáculos mais pequenos, improvisar coisas, porque temos de dar às pessoas um exemplo de coragem, de resiliência e de inconformismo. Sabemos que, obviamente, vamos correr riscos, mesmo cumprindo as normas de segurança, mas a vida é um risco. Senão não é viver, é sobreviver. E eu não quero sobreviver, quero viver”.
"Estávamos à espera, exatamente, da definição destas regras para perceber o que vamos fazer e o que podemos fazer", assume, quando o questionamos sobre um eventual Festival F noutros moldes. Relembrando que ainda não havia bilhetes à venda nem cartaz anunciado para o evento, que costuma realizar-se no início de setembro, explica que só depois de serem alinhadas as regras enviadas pelo Ministério da Cultura aos produtores de espetáculos, sobre a realização de eventos ao ar livre ou em sala em tempos de covid-19, para apreciação e comentário, concretizará um plano para o festival.
"Mediante aquilo que vier a ser definido, vamos tentar assinalar o ano de alguma maneira. Não será nunca, obviamente, uma edição normal do F e não tenho ideia nenhuma ainda, mas queremos assinalar o ano por duas razões. Primeiro, é uma questão de manter a marca e de passar uma mensagem para o público do F de que o festival continuar. Não há de ser este ano, mas vai continuar. Segundo, porque sempre imaginei o F como um ‘braço armado’, no sentido figurado obviamente, da música portuguesa e da indústria musical portuguesa. E, portanto, acho que é importante tentarmos dar um contributo, por mais pequeno que seja, para que as coisas continuem a acontecer”.
Ressalvando que as regras enviadas pelo Ministério da Cultura às promotoras de concertos não passam ainda de "um documento de trabalho, sujeito a alterações e, inclusivamente às nossas próprias sugestões" e que ainda não as analisou pormenorizadamente, Sacramento não deixa de apelidar algumas regras de "draconianas" e admitir que "não vai ser fácil". “A diminuição de lotação das salas é de tal forma vincada e as regras de segurança e de higiene aumentam de forma tão radical e, consequentemente, também os custos que daí advêm, que temo que, tirando as salas públicas, ninguém consiga abrir, sinceramente”.
Sobre uma das questões mais fraturantes da proposta de lei ontem aprovada na Assembleia da República, a troca de bilhetes por vales e a possibilidade de reembolso do dinheiro apenas no início de 2022, o diretor-geral da Sons em Trânsito não tem grandes dúvidas: "é uma medida necessária e inevitável". "Percebo que, para o público, possa ser frustrante não poder obter imediatamente o reembolso do bilhete, mas é preciso perceber que estamos a falar da subsistência, da sobrevivência, quase diria, de um setor e dos respetivos trabalhadores".
"Tenho a certeza que o público quer, para o ano, daqui a dois anos e daqui a três anos, continuar a ter espetáculos e festivais, etc, portanto, neste momento, é um sacrifício que se pede às pessoas em nome de um bem que, a meu ver, é maior", conclui, "e que tem a ver com uma solidariedade que tem que haver em todos os setores e entre todos os portugueses, neste momento. É o mesmo espírito que faz com que eu diga que para mim é fundamental, na segunda-feira, ir almoçar fora. Temos todos de puxar uns pelos outros, senão os danos vão ser muito maiores do que já são”.
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