
























A noite inesquecível dos Ornatos Violeta no Porto. O amor é isto e não ficou nada para dar
01.11.2019 às 12h04
Maratona musical dos Ornatos Violeta na Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota. Frenesim adolescente numa noite de fogo que a chuva não apagou. O 'Monstro' tem muitos amigos
Os Ornatos Violeta enganaram-nos durante este tempo todo. É que embora lave o medo que há do fim, a chuva não apaga um fogo que arde assim. O “Monstro” saiu da toca na noite de Halloween e foi lançado para a Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota, cercado durante uma hora e 50 minutos por 8 milhares de pessoas que até ali o seguiram, numa maratona musical que passou por 22 canções.
A expectativa transborda a sala esgotada quando o relógio marca as 22h. É a hora do culto, tanto para os fiéis de longa data como para os novos convertidos. Todos aguardam, num frenesim adolescente, pelo primeiro concerto da banda em nome próprio no ano em que comemora o vigésimo aniversário do lançamento do segundo e último álbum. O clima é de celebração no revigorado e rebatizado palácio cultural da Invicta, exposto a uma prova de fogo no dia de inauguração.
O palco está colocado bem no centro da arena esférica, com uma plateia fervorosa a toda a volta, como se de um ringue se tratasse, quadratura perfeita para o círculo de cinco amigos que, no final da década de 1990, escreveram uma página dourada na história do rock português.
Apagam-se as luzes. Estão vivos outra vez. O quinteto composto por Manel Cruz, Peixe, Nuno Prata, Elísio Donas e Kinörm começa por mostrar “Como Afundar” e o público sente imediatamente “o amor tocar no avesso da saudade” que tinha dos Ornatos, para logo depois entrar em marcha o “Tanque”, que nos faz perceber que o mal é ver que eles vão bem.
À terceira música, “Há-de Encarnar”, já o ambiente está quente “como no fim de uma guerra” e a t-shirt de Manel Cruz já desapareceu em combate, enquanto a voz do “Bandido” endiabrado, durante uma visceral atuação, nos “conta que os sonhos não podem ter fim”. De regresso aos hinos de “O Monstro Precisa de Amigos”, o virtuosismo de Elísio Donas nas teclas, o baixo encorpado de Prata e os riffs lançados pelas cordas de Peixe pescam o lirismo de pura filigrana de Manel Cruz em “Pára de Olhar para Mim”.
Ouvem-se os primeiros acordes de “Para Nunca Mais Mentir”, mas logo os olhares do público são desviados para a cúpula da arena, onde projeções em vídeo mostram individualmente os cinco músicos em ação. Com os olhos pregados no teto, muitos são apanhados de surpresa quando a banda despacha “Ouvi Dizer”, quase sem dar tempo para que a multidão puxe dos smartphones e escolha aquele filtro top para registar o momento.
É possível que Manel Cruz não tenha falhado uma única nota enquanto entoava os versos ajoelhado no palco, mas o coro do público que a ele se sobrepôs é justo merecedor de nota artística. Não houve Vítor Espadinha, mas, após oferecerem um beijo mais puro com “Notícias do Fundo”, os Ornatos espetam com duas bofetadas para arrebitar: “O.M.E.M” que coloca a plateia a saltar energicamente e, sem querer poupar os corpos, uma “Chaga” alastra no pavilhão.
“Pára-me Agora” e “Dia Mau” mantêm o espetáculo em alta voltagem, num carrossel que desce até paisagens sonoras mais intimistas, ao revisitar “Deixa Morrer” (ou, para Manel Cruz, a “música mais bonita que um Peixe já escreveu”), passando “Devagar” por uma das mais mágicas canções dos Ornatos Violeta e com a chegada a bom porto de “Capitão Romance”.
O concerto, com direito a dois encores, trouxe ainda o “Tempo de Nascer”, porque ninguém queria ver o fim chegar e havia que passear de mão dada com a “Dama do Sinal”, assim como deitar o excesso fora com “Punk Moda Funk” e estancar a hemorragia ao ver, por fim, “Raquel”.
O amor é isto e não ficou nada para dar. Houvesse mais divórcios assim e tantas paixões podiam reaprender a amar-se.