









A folk é esquisita, a folk é bonita. Aldous Harding para gente sentada no NOS Primavera Sound
07.06.2019 às 19h43
Indie folk esquizóide na aberta do palco principal deste soalheiro segundo dia do festival do Porto. A neozelandesa teve contra si o trovão proveniente do palco dos sul-coreanos Jambinai, mas mostrou que é dona e senhora da sua música
Talvez um dia, numa espécie de episódio de "Black Mirror" tornado realidade, o festivaleiro possa ouvir a música de um determinado palco de festival estando, efetivamente, noutro local do recinto. Ou, talvez mais interessante, ouvir o 'live feed' de um concerto sem apanhar com o burburinho alarve em redor. Enquanto isso não é possível, era escusado acontecer o que já vimos noutros eventos com vários concertos em simultâneo e aconteceu também no Parque da Cidade do Porto: o ruído ostensivamente alto de uma atuação intrometer-se na fragilidade de outra, mais suave, mais íntima.
Aldous Harding, cantora e compositora neozelandesa, teve de se preocupar com o seu próprio espetáculo - baixo, bateria, teclados, guitarras acústica e elétrica, mas num volume adequado a fim de tarde para gente sentada ao sol (a larga maioria da plateia) - e o som absurdamente alto proveniente do palco diametralmente oposto a este, a uma distância ainda considerável, o do concerto dos vanguardistas sul-coreanos Jambinai. Foi vê-la a olhar para os músicos, desconsolada, a deter-se nos intervalos entre canções como quem espera pelo melhor momento para regressar. Do lado de cá, a fruição não é perfeita.
A música de Aldous Harding é folk discreta, mais esquizóide nos primeiros dois álbuns, mais acessível no terceiro, "Designer", lançado em abril. É assente, sobretudo, no dedilhar da guitarra acústica - ela passa boa parte do concerto sentada, de perna cruzada, guitarra sobre as pernas, olhar compenetrado. Os restantes instrumentos - sobretudo os teclados - juntam-se não como suporte, mas como embrulho. Ainda assim, a sua música é frágil, mas suficientemente críptica para pedir a nossa atenção e ser altamente recompensadora quando o transe certo é atingido.
As melhores canções soam a esquissos de Laurel Canyon, no pós-psicadelismo, na viragem dos 60 para os 70 (pense-se também em Joni Mitchell). Mas Harding aplica-lhe uma variedade de vozes e de faces (veja-se as fotos do topo desta página) como uma atriz que procura encontrar o jeito e a atitude certas para cada cena. Revira os olhos, franze o sobrolho, fita o público com olhar glaciar, sorri em quase imperceptíveis milésimos de segundo. Por vezes soa uma criança, noutras a uma mulher mais dorida do que os seus 28-29 anos deixariam pressentir.
Num alinhamento que privilegiou largamente o recente "Designer", destacam-se o tema-título, 'Zoo Eyes' ou 'Treasure', canções tão bonitas como enviesadas que viveriam melhor num espaço mais íntimo e, de preferência, sem interferências de dimensões paralelas.
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