




















Uma noite de rock, fado e trópicos com os Dead Combo no Coliseu de Lisboa: quando as guitarras cantam baixinho, vemos-lhes a alma
01.03.2019 às 2h45
Com Mark Lanegan e Alain Johannes como convidados especiais, os Dead Combo celebraram esta noite o seu “Odeon Hotel” na sala nobre lisboeta
Menos de um ano depois de “Odeon Hotel”, o mais recente álbum dos Dead Combo, ver a luz do dia, a dupla lisboeta composta por Tó Trips e Pedro Gonçalves regressou ao Coliseu dos Recreios - bem perto do edifício que esteve na origem do conceito criado para o disco - e assinou, esta noite, uma atuação esplendorosa. Com direito a convidados especiais, vindos do outro lado do Atlântico, a família alargada de músicos que levam para a estrada e uma equipa de figurantes que ficámos a conhecer na capa do álbum, os dois músicos montaram na sala nobre lisboeta uma real festa, que transbordou do palco para uma plateia bem recheada e incansável na hora de os incentivar e aplaudir. Apesar de centrado em “Odeon Hotel”, cujas canções compuseram grande parte do alinhamento, o espetáculo foi bem lá atrás, aos primeiros momentos criativos do duo, e seguiu passando em revista algumas das peças mais inspiradas de um percurso ímpar que, a brincar a brincar, caminha a passos largos para as duas décadas de existência.
Se o início coincidiu com o do álbum, com o certeiro binómio ‘Deus Me Dê Grana’ (numa versão despida até ao osso, com textura e cor emprestadas pelos saxofones) e ‘Mr. and Mrs. Eleven’ (sedutoramente dramático), o final, num curto mas intenso encore, foi buscar temas-chave de um passado seguríssimo: do velhinho ‘A Menina Dança?’, recuperado a 2006, passaram para os ambientes perigosos de ‘Miúdas e Motas’ e fecharam em grande, ajudados por Alain Johannes, produtor de “Odeon Hotel”, com ‘Lisboa Mulata’, hino à diversidade que não precisa de palavras para fazer dançar. No miolo do concerto não faltaram momentos memoráveis, com Trips a conduzir a primeira parte, qual mágico da guitarra com muitos truques para sacar da cartola, ora comunicando a dedicatória de ‘The Egyptian Magician’, o momento rock exótico de “Odeon Hotel”, “a um grande amigo nosso” - recorde-se que o tema é dedicado a Zé Pedro, falecido guitarrista dos Xutos & Pontapés - ora avisando que iam recuar ao passado mais longínquo, escavando bem lá atrás a tempestuosidade do contrabaixo de ‘Rumbero’ e a espiral de guitarra e bateria de ‘Rodada’.
A festa circense de ‘As Quica As You Can’, muito aplaudida, o contrabaixo soturno de ‘In a Mellotron’, um dos momentos mais bonitos do concerto, e o toque tropical de ‘Dear Carmen Miranda’ mantiveram os pés dos Dead Combo no presente, mas ainda antes de Pedro Gonçalves entrar em cena, rápida e ruidosamente abafado por uma longa e intensa ovação, houve tempo para recuar até às cordas quentes de ‘Cuba 1970 (“é dedicada à malta que nasceu nos anos 70”, endereçou Tó Trips). Sozinho no centro do palco, o guitarrista recebeu, então, “a outra metade da banda” para juntos atacarem um emocionante, e afadistado, ‘Esse Olhar que Era Só Teu’ (“não tocamos esta desde agosto”) e ‘Povo que Cais Descalço’.
Com o regresso da banda à cena, o duo aproveitou para chamar ao palco “duas pessoas muito especiais, que resolveram atravessar o Atlântico para atuar connosco para vocês”: Alain Johannes e Mark Lanegan juntaram-se, então, para uma das sequências mais intensas do concerto. Do saxofone à la Morphine de ‘Fire of Love’ passaram aos ritmos sedutores de ‘Wedding Dress’, resgatado ao cancioneiro do próprio Lanegan, terminando depois a participação do norte-americano, obviamente, com ‘I Know, I Alone’, poema de Fernando Pessoa musicado e entregue à sua voz de trovão em “Odeon Hotel”. Depois do momento catártico, e de Lanegan sair discretamente de palco, o espetáculo seguiu com o explosivo ‘Desassossego’, que revelou os figurantes de uma Lisboa cosmopolita posicionados num andaime montado no fundo do palco. ‘Mr. Eastwood’ marcou novo regresso ao passado; ‘Lusitânia Playboys’ seguiu entre o silvo desconcertante do theremin, o pulsar do contrabaixo e umas teclas dramáticas para se afirmar como momento de génio (com direito a solo de bateria de Alexandre Frazão e tudo); ‘Eléctrica Cadente’, “uma das primeiras malhas que eu e o Pedro fizemos”, reduziu os Dead Combo à sua essência, e antes de finalizarem o corpo principal da atuação com uma efervescente ‘Theo’s Walking’, Gonçalves apresentou a banda, fez os agradecimentos da praxe e agradeceu o carinho do público.
Um concerto dos Dead Combo nunca é só mais um concerto dos Dead Combo e esta noite especial no Coliseu dos Recreios tornou a provar isso mesmo. Lisboa corre-lhes no sangue e o amor que têm à cidade transparece em cada nota de música que compõem, mesmo que se deixem contaminar por referências provenientes dos mais variados cantos do mundo, e tocam ao vivo. Ter Mark Lanegan, Alain Johannes e uma grande família com eles em palco tornou tudo mais bonito, mas é quando os dois músicos estão, cara a cara, em total sintonia, que melhor lhes sentimos o pulso. Foi assim hoje, será assim sempre.
’Deus Me Dê Grana’
‘Mr. and Mrs. Eleven’
‘The Egyptian Magician’
‘As Quica As You Can’
‘Rumbero’
‘Rodada’
‘In a Mellotron’
‘Cuba 1970’
‘Dear Carmen Miranda’
‘Esse Olhar Que Era Só Teu’
‘Povo que Cais Descalço’
‘Fire of Love’
‘Wedding Dress’
‘I Know, I Alone’
‘Desassossego’
‘Mr. Eastwood’
‘Lusitânia Playboys’
‘Eléctrica Cadente’
‘Theo’s Walking’
‘A Menina Dança?’
‘Miúdas e Motas’
‘Lisboa Mulata’
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