


























Dead Combo no Vodafone Paredes de Coura: um triunfo comovente e mais do que merecido
19.08.2018 às 2h32
Com Pedro Gonçalves "a bordo", a nau dos Dead Combo viajou pelas paragens mais exóticas e também familiares, em formato quase "big band". Foi um dos melhores concertos desta edição e um triunfo justo para a dupla, ampliada para sexteto e, esta noite, com Mark Lanegan
No início eram dois. Em fevereiro de 2004, um mês antes do lançamento do seu primeiro álbum, lembramo-nos de ver Pedro Gonçalves e Tó Trips apresentar os Dead Combo ao mundo com um concerto no Maus Hábitos, no Porto. A "equipa" era pequena, muitas ideias não passariam de esboços mas o conceito estaria já formado na mente dos dois músicos, que 14 anos mais tarde regressam ao palco grande de Paredes de Coura - onde haviam estado há seis anos, com os Ornatos Violeta - pela porta grande. Consigo trazem "Odeon Hotel", o álbum mais recente, e uma rodagem de palco imensa, que faz com que seja impressionante compará-la com aqueles verdes anos de duo dinâmico, mas económico.
Em 2018, os Dead Combo são, além da alma bifurcada do projeto, ou seja, de Pedro Gonçalves e Tó Trips, uma banda enorme, não só em número de pessoas em palco como em recheio sonoro & ambição. Com Alexandre Frazão (que à meia-noite completou 50 anos, celebrando com um solo de bateria), Gui e Gonçalo Prazeres nos saxofones e António Quintino no contrabaixo, os homens de "Lisboa Mulata" sentem-se à vontade para, numa espécie de requintada cozinha, derramarem toda a espécie de condimentos sobre uma receita global, de confeção local.
Uma das bandas mais cosmopolitas da sua geração, os portugueses não se limitam a ser turistas musicais; a sua imersão na tradição de outras culturas é intensa e honesta, lembrando de resto a postura do seu amigo Anthony Bourdain, recentemente desaparecido.
Com muitas milhas de "frequent flyers" para a América Latina, Caraíbas, África e outros planetas ainda por descobrir, os Dead Combo apresentaram-se com toda a confiança perante a imensa plateia que os aplaude com fervor. Ao contrário dos Big Thief, que os antecederam, Pedro Gonçalves e Tó Trips reúnem a experiência necessária para conquistarem por completo o auditório de Paredes de Coura.
Tal como os Fleet Foxes, no segundo dia do festival, é fácil perceber que não é possível chegar aqui sem muito talento, evidentemente, nem sem muitos anos de trabalho duro. E tal como Legendary Tigerman ou Linda Martini, outros vencedores deste Paredes de Coura 2018, é bonito ver uma banda nacional ocupar um horário tão nobre num festival desta envergadura.
Tão capazes de lançar a festa rija ('Rodada', 'Mr. Eastwood') como de encarnarem uma banda de jazz tresmalhada à solta num bar do Cais do Sodré ('Lusitânia Playboys'), os Dead Combo sentem-se igualmente confortáveis explorando tons mais introspetivos, melancólicos e inevitavelmente próximos de um fado que é mais universal do que apenas português.
Desde aquela noite em 2004, cresceram muito estas duas personagens de banda desenhada, mas sem nunca traírem a ideia que serviu de embrião à banda. A sua diáspora musical já deu várias voltas ao sol, e esta noite até deu boleia ao passageiro Mark Lanegan, que Tó Trips contou ter atravessado o Atlântico para com os amigos portugueses entoar, na sua voz de trovão, três canções ('Fire of Love', 'Wedding Dress' e 'I Know, I Alone').
Basta ver, porém, o sucesso de 'Esse Olhar que Era Só Teu' - o regresso à 'solidão a dois', com o contrabaixo de António Quintino a servir de testemunha ao casamento das guitarras de Pedro Gonçalves e Tó Trips - para ver que, por muito que se expanda, o universo dos Dead Combo cabe nos dois homens que habitam aqueles fatos bonitos e na sua imaginação sem fronteiras.
Esta noite, a plateia que os acarinhou era enorme, a felicidade do músicos evidente e a vitória mais do que merecida. Estamos todos sob o mesmo céu estrelado, e isso é bonito.
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