
Hinds
É outra vez o rock, essa coisa tão bonita
18.10.2018 às 12h36
Canções tão borbulhantes como carinhosas, pequenas vinhetas de uma juventude reguila, narcótica e exultante. Ou de uma pós-adolescência que se recusa a definhar séria e preocupada. Quem as faz sabe o que anda a fazer
“É (só) o rock, essa coisa tão bonita”. Assim terminava a minha apreciação ao primeiro álbum das espanholas Hinds, nas páginas da revista do Expresso, em janeiro de 2016.
Dois anos e meio depois, renova-se alegremente o contrato com o quarteto madrileno, que continua a fazer canções tão borbulhantes como carinhosas, pequenas vinhetas de uma juventude reguila, narcótica e exultante. Ou de uma pós-adolescência que se recusa a definhar séria e preocupada.
Se “Leave It Alone”, o luminoso disco debutante, tinha 38 minutos que se ouviam de rajada, “I Don’t Run” estica a corda até aos inimagináveis 39. Descansai, amantes da veloz ética punk: os sessenta segundos adicionais não resvalam para a autoindulgência. Este é, porém, um evidente segundo álbum a começar pela evidente capacidade de tocar melhor de Carlotta Cosials (voz, guitarra), Ana García Perrote (voz, baixo), Ade Martin (baixo) e Amber Grimbergen (bateria).
“Leave It Alone” era intencionalmente formulaico, devedor da jangle pop fluida, desdobramento de toda uma tradição de sedução clinicamente testada; o seu sucessor é perspicaz na forma como mantém toda a dinâmica relaxada entre as duas vocalistas (uma mais arisca, outra açucarada), mas se deixa envolver numa instrumentação mais límpida, torneada e sofisticada.
Não está tudo, mas está muito nos riffs elásticos de guitarra e nas vozes opacas e saturadas à melhor moda Julian Casablancas – não é, de todo, obra do acaso que a produção tenha sido cunhada por Gordon Raphael, o homem de confiança do arranque dos Strokes.
São, porém, as canções que nos empolgam: ‘The Club’, um afirmativo e suculento single com guitarras altamente comestíveis; ‘Soberland’, a seis cordas em cascata à maneira dos Real Estate; ‘New For You’, um sorriso aberto de 3 minutos e meio. É (outra vez) o rock, essa coisa tão bonita.
Publicado originalmente na edição de 22 de setembro de 2018 da revista E, do Expresso
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