
Wolf Alice
Wolf Alice, a inesperada tábua de salvação do rock britânico
05.12.2017 às 17h26
Tudo em “Visions of a Life”, segundo álbum dos britânicos Wolf Alice, é tão fácil como certeiro
Quando a next big thing britânica faz do seu mister a música de guitarras, as hipóteses de mergulho no caldeirão britpop são, no mínimo, de 50 por cento. Não pensamos apenas naquela era de otimismo patego de fato de treino, Blair e a terceira via, Gallaghers e Albarn a ver quem cospe mais longe, a “Union Jack” no calção curto da ruiva das Spice Girls ou Manchester a trocar ecstasy por cocaína; pensamos numa tradição que começa no instinto melódico dos Beatles e na ‘sociedade de preservação’ dos Kinks, em tudo o que – do seminal ao vazio – daí adveio.
Os Wolf Alice, nascidos no arranque desta década, começaram por ser associados, temerariamente, à ginga dos Arctic Monkeys e ao pub rock dos Libertines, apesar de canções como ‘Giant Peach’ ou ‘Turn to Dust’ deverem mais ao shoegaze do remate final dos anos 80, início dos 90, do que à ‘salvação’ elétrica que os ingleses pensaram ter acontecido algures pelo meio da década passada.
Não misteriosamente, este erro de interpretação é – visto a distância confortável – um trunfo de monta numa banda que, ao segundo álbum, se revela um ‘produto’ completo, rock no ADN, capaz de uma intensidade não forçada, mas também de incrustar apontamentos surpreendentes no que, à vista desarmada, parece rocha sólida (a forma como o tema-título, de quase oito minutos, se aproxima de um rock pesado gongórico sem verter um pingo de azeite é notável).
Sim, a lírica de Ellie Rowsell tem aquela autoconsciência ‘esperta’ típica de quem tem 25 anos e um mar de dúvidas – como não e porque não? Como certeiramente atenta o oráculo indie “Pitchfork”, “Visions of a Life” subscreve “uma conceção necessária do rock como um sítio sagrado onde metáforas mortas e clichês adolescentes podem, por magia, ressuscitar” – e isso é o que o segundo tomo dos Wolf Alice tem de melhor. Do balanço da ultra comestível ‘Beautifully Unconventional’ ao andamento marcial da aérea ‘Don’t Delete the Kisses’, tudo aqui é tão (enganadoramente) fácil como certeiro.
Publicado originalmente na revista E, do Expresso, de 25 de novembro
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