






Tim Bernardes, o anjo que veio ao Super Bock em Stock para recomeçar: nasceu uma estrela
25.11.2018 às 2h32
Noite perfeita do músico de São Paulo no Tivoli, perante uma plateia rendida. Uma hora de talento puro e toda a emoção - temos sorte em tê-lo por cá
Já quando esteve em Portugal no passado mês de junho, para quatro concertos badalados, Tim Bernardes deixou a impressão de ser um músico a caminho de um certo estrelato indie. Depois desta noite no Tivoli, porém, dificilmente Portugal sairá do seu coração e, possivelmente, de futuros planos de digressão. Ao longo de pouco mais de uma hora (o brasileiro prolongou-se um pouco além da hora de "fecho", anunciando que iria tocar até "forças maiores" o impedirem), o autor de "Recomeçar" mostrou todo o imenso talento que vem desenvolvendo desde tenra idade, enfeitiçando a plateia com as canções do seu primeiro, e aclamado, disco a solo, mas também com três celebradas visitas ao repertório do seu "outro emprego", a banda O Terno, e quatro maravilhosas versões, cumprindo a generosa tradição brasileira de mostrar ao mundo o que de bom se faz no seu país, mesmo que pela pena de outros artistas.
À BLITZ, Tim Bernardes explicou que, mais do que uma reprodução fiel das canções de "Recomeçar", o prodigioso álbum do ano passado, estes espetáculos são "um show de compositor", em que a ausência dos arranjos do disco é compensada por um maior "intimismo". Rigoroso com as palavras como com os sons, Tim Bernardes vai mais longe e chama-lhe mesmo "solidão"; foi num clima de solidão (no silêncio do seu quarto, à noite) que nasceu "Recomeçar", e é numa solidão acompanhada que as suas canções são agora partilhadas com plateias deliciadas.
Sozinho em palco com um piano e duas guitarras elétricas, o paulista, divertido e eficaz na comunicação com o público, apresenta-se no Tivoli sob a modesta luz de um candeeiro pousado sobre o seu Steinway and Sons. Canções haverá ('Calma'; a brilhante versão de 'Soluços', de Jards Macalé) em que cantará longos segundos na mais completa penumbra - e a escuridão é quase sempre acompanhada pelo silêncio respeitoso do público, suspenso de cada nota e de cada palavra.
Não se pense, porém, que Tim Bernardes é um performer de excessiva delicadeza, incapaz de se elevar além de um sussurro. Dotado de uma voz virtuosa, que manobra sem exibicionismos e com aparente facilidade, o cantor-compositor é tão emocionante nas canções mais diáfanas - como 'Ela', um ensaio sobre a mais desolada condição feminina, onde acertadamente deixa a letra respirar - como nas mais encorpadas, e temos de voltar a falar de 'Soluços', a melhor letra de sempre com a expressão "lenços de papel", na qual o nosso anfitrião deixa escapar um rugido mais rock, prontamente agarrado e devolvido por uma plateia em ebulição.
Um álbum à moda antiga, respeitando uma unidade temática (o inesgotável mote do desgosto amoroso), "Recomeçar" é uma ave rara: ornamentado com belos arranjos em disco, reduzido a voz e piano ou guitarra em palco, não perde qualidades em qualquer das modalidades, e é sempre aquilo que um autor mais desejará conseguir com a sua arte: um objeto especialmente pessoal e íntimo, mas facilmente partilhável com uma plateia de estranhos, que noite após noite se revê nas letras e se emociona com uma performance que tem tanto de talento puro como de entrega apaixonada.
Fazendo do Tivoli o seu quarto ("este Airbnb que eu escolhi", brinca), Tim Bernardes abriu ao público as portas do seu "processo de busca interior, e de estar vivo", e com os vários "capítulos" de "Recomeçar" - 'Talvez', 'Pouco a Pouco', 'Eu Quis Mudar' , 'Não'... - e as versões escolhidas a dedo (além de soluços, houve 'Changes', dos Black Sabbath; 'Paralelas', do brasileiro Belchior, e 'Luzia Luluza', de Gilberto Gil), escreveu mais uma linda página da sua relação com os palcos portugueses.
Também os temas da sua banda, com a qual voltará a editar no próximo ano, foram acolhidos com coros que surpreenderam o músico: 'Volta' seria mesmo entoada depois do fim do concerto, numa vã tentativa de pedir um encore, e 'A História Mais Velha do Mundo' ('O que a gente quer é gostar de alguém/E quer que esse alguém goste da gente também') quebrou as últimas resistências aos lenços de papel.
No adeus, tal como no "oi" de início da noite, 'Recomeçar'. Ao piano, fechando o arco narrativo deste seu "show de compositor", Tim Bernardes foi delicado, contundente, genial. Não se livrou de uma valente ovação em pé e todas as palmas foram merecidas - temos sorte em tê-lo por cá.
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